"Além dos sinais externos que denunciam - cabelos brancos, cabelo nenhum, rugas, barriga, essas indignidades - as gerações se reconhecem pelos jogadores de futebol que se têm na memória"

Luis Fernando Veríssimo

17 de set. de 2012

Pérolas aos porcos

Um desabafo emblemático, e de uma importância que pouquíssimos são capazes de perceber. Esse foi o teor da entrevista dada por Muricy Ramalho após a partida entre Santos e Coritiba.

Infelizmente, hoje o futebol e o resultado dentro de campo pouco importam. Pouco importa o fato de que a partida foi decidida pela mais clara definição de “craque” – aquele que pode passar o jogo todo apagado, mas que só precisa de uma bola, um lance, para fazer a diferença.

Pouco importa se o melhor jogador do continente fez mais um gol de placa. Há muito os aspectos que realmente importam, deixaram de ter importância no futebol.

Confesso que não entendo o constante esforço do brasileiro em “matar” seus ídolos. Um esforço sobre humano para manter o maior nome da história recente do futebol brasileiro no país, para que ele seja hostilizado porque apanha em campo.

Muricy foi contundente, e suas palavras servem de alerta em relação ao rumo do futebol brasileiro. “O futebol está ficando chato, e nós estamos matando o melhor jogador de futebol do país, o único que nos oferece o diferente dentro de campo”.

Drible é desrespeito. Jogador que comemora gol com sua torcida é punido. Aquele que pratica o futebol arte e apanha é condenado e perseguido por pseudo-torcedores de futebol.

Por muito menos do que faz Neymar, esportistas são reverenciados mundo afora. Por aqui, nossos candidatos a ídolo precisam conquistar esse merecimento a cada dia. Somos muito exigentes, ou os gringos é que se contentam com qualquer coisa? Valoriza-se tudo lá fora, ou não valorizamos nada aqui dentro?

Valores invertidos. Expressão que já virou clichê, feliz ou infelizmente.

“A gente comemora o gol e é punido. Então é melhor não fazer gol”, não Neymar, o melhor é continuarmos tendo a oportunidade de vê-lo de perto e apreciar um futebol único. Mas infelizmente, Neymar em campo para os torcedores brasileiros, é como jogar pérolas aos porcos.

3 de set. de 2012

Papo de buteco

Pergunte a qualquer jornalista, nove entre dez vão afirmar: algumas das melhores pautas que eles já produziram surgiram de blá blá blás com amigos em um churrasco de fim de semana ou naquele happy hour de sexta-feira. E quando o assunto é futebol, o buteco é capaz de te dar o caderno de esportes de uma edição inteira do jornal.

E eis que durante um blá blá blá com alguns amigos sobre as contratações dos clubes europeus para a temporada 2012/13, um deles soltou uma observação interessante: "É chato ver a seleção da Espanha jogar, já o Barcelona..." - quando o papo é futebol europeu a conversa inevitavelmente passa pelo clube da cataluña, incrível.

Não é novidade para ninguém que seleção da Espanha é basicamente o time catalão com alguns reforços de Madrid. Mas a grande diferença entre as duas equipes - Espanha e Barcelona - não são os reforços merengues, mas a ausência hermana que atende pelo nome de Messi.

Lionel Messi - Melhor jogador do mundo por três anos consecutivos
A filosofia é a mesma: posse de bola. Manter a posse de bola no campo de ataque e sufocar a saída de bola do adversário nos poucos momentos em que ele consegue tomá-la. Esse foi o novo conceito de "futebol arte" apresentado pela melhor geração da história do futebol espanhol no últimos anos. Um estilo que venceu tudo que é possível, fosse com as cores da seleção nacional ou do clube azul grená. Esquema de jogo que atropelou as maiores forças do futebol mundial com uma facilidade assustadora - é bem verdade que a filosofia já deixou de surtir o efeito de outrora, mas isso é assunto para outro post.

Andrés Iniesta - Um dos maestros das duas equipes. Autor do histórico gol na final da Copa do Mundo de 2010
Mas de fato, acompanhar as partidas da seleção espanhola nunca foi satisfação garantida. Da equipe de Vicente Del Bosque podia-se esperar bom futebol e eficiência, jamais espetáculo. Liste as melhores partidas da Copa do Mundo de 2010 e da Euro 2012 e a Espanha aparecerá em duas ou três no máximo, liste as melhores partidas do futebol europeu no mesmo período e certamente será Barcelona x alguém. E é partindo desse princípio que lanço uma nova "tese futebolística": O coletivo é o que determina um time competitivo e eventualmente campeão, mas o espetáculo é inerente ao talento individual.

Faça um exercício de memória - pode ou não voltar a décadas atrás, irrelevante, porque a tese se aplica a todas as épocas do futebol - você vai perceber é possível separar todas as equipes campeãs em dois grupos: eficientes e "artísticas".

Robinho e Alex - Os responsáveis pelo espetáculo dos campeões brasileiros de 2002 e 2003
Apenas para ilustrar: Campeonato Brasileiro, anos 2000. O Santos de 2002, um ótimo coletivo (Renato, Maurinho, André Luis, Paulo Almeida, Elano, Léo, Robert) e talentos individuais acima da média (Robinho e Diego). Resultado: Título e espetáculo dentro de campo. Um ano depois foi a vez daquele que viria ser um dos maiores times da história do campeonato nacional, sem dúvida o maior da era dos pontos corridos, o Cruzeiro de Vanderlei Luxemburgo e Alex. Um time coletivo espetacular com aquele que talvez seja o camisa 10 mais injustiçado de todos os tempos na seleção brasileira. Títulos, show e recordes dentro de campo.

Três ano depois daquele Cruzeiro fantástico, outro time Paulista faria história na campetição. Depois de conquistar o mundo em 2005, o São Paulo iniciaria um hegemonia incrível dentro do país. Tricampeão brasileiro 06/07/08 com um futebol que pode ser definido em uma única palavra: eficiência. Uma equipe que jamais apresentou um futebol vistoso, mas dificílima de ser batida.

06/07/08 - São Paulo conquista feito inédito com três títulos seguidos do Campeonato Brasileiro
Voltamos os olhos para as duas competições mais importantes do mundo, Libertadores da América e Champions League, e os dois últimos campeões são exemplos claros desta tese, não apenas nos próprios titulos em questão, mas também na forma como chegaram até essas competições. O Santos chegou a Libertadores em 2011 como campeão da Copa do Brasil de 2010. De massacre em massacre a equipe da Vila Belmiro conquistou o Brasil e manteve o bom futebol pelos gramados da América. Um coletivo eficiente que contava com um  Neymar endiabrado.

O atual campeão da América chegou a competição continental com um incontestável, mas pragmático, título brasileiro. Manteve o futebol frio e eficiente e conquistou o direito de disputar o título mundial no fim do ano. Campeão com todos os méritos, mas que jamais deu espetáculo dentro de campo. Fato.

Emerson "Sheik" - Herói do título corintiano na Libertadores
Na Champions, o Barcelona conquistou a edição 10/11 atropelando tudo e todos. Um coletivo formado por individualidades acima da média. Na edição seguinte esse mesmo time caiu diante de um coletivo sólido que pode ser definido em uma única palavra: determinação. O Chelsea de Di Matteo ensiou ao mundo do futebol como parar aquele que muitos consideravam "imparável".

Chelsea campeão Europeu 2011/12
É máxima no futebol, nem todo time campeão deu show, mas todo time que desfilou futebol arte pelos gramados, contava ao menos com um jogador muito acima da média. Embora nesses casos o título nunca tenha sido uma certeza - leia-se Brasil de 82.

E é exatamente por isso que as partidas da Espanha são tão "chatas" e as do Barcelona sensacionais. Para azar dos espanhois, o pequeno detalhe que separa a eficiência do espetáculo nesse caso chama-se Lionel Messi.